segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Cadeira fria


Este último fim de semana estava sendo chamado de "o dia em que Brasília parou". Tudo isto porque realizou-se o "tão sonhado" concurso do MPU, com provas nos dois dias (sábado e domingo) e cargos de nível médio e superior. Falou-se em mais de 700.000 inscritos disputando um número próximo das seiscentas vagas, isso dá quase 1.300 candidatos por vaga(!).

Nas rodas de conversa na cidade não se falava em outra coisa, e se você falasse que não ia fazer todos te olhavam com cara feia. "Folgado", "desocupado", "marajá", provavelmente pensavam alguns. Em resumo se você não foi fazer a prova das duas uma: ou você não quer nada com a vida - algo que as pessoas condenam - ou você está bem de vida, endinheirado, etc. - o que estranhamente as pessoas também condenam porque possuem a mentalidade de que quem consegue ter uma boa renda e boas posses só o consegue de maneira espúria, não o faz de maneira árdua, batalhando todo dia na labuta como esse povo que faz cursinho até de madrugada se matando nos livros fazem. Isso porque esse mesmo pessoal trabalhou o dia inteiro e ganhou somente a merreca para pagar a mensalidade do "preparatório".

Isso me lembra uma coisa. Sim, eu sou um concursado. De nível médio mas sou. Sim, fiz prova para assumir o cargo que estou hoje. Mas confesso a todos aqui que, para o espanto daqueles que trabalham para sustentar o Gran Cursos, eu não estudei nada ou quase nada para fazer estas provas, e olha que já assumi três cargos que exigiam concurso. Provas? Devo ter feito umas cinco ou seis em uma década e a mais emblemática foi a primeira - BRB, 2001 - porque foi a única que paguei cursinho para me preparar a prova. Fui desclassificado por ter negativado a prova de inglês.

Seis meses depois houve o concurso do Banco do Brasil. Só peguei a apostila do BRB e reli. Passei.

E depois de tomar posse percebi nos locais de trabalho por onde passei outro fenômeno deste início de século: a alta rotatividade do quadro de pessoal. Exemplo disso é uma das agências onde trabalhei no BB, onde eu via que metade dos que trabalhavam lá quando cheguei foram embora antes de eu sair de lá, chegava a ser engraçada a quantidade anormal de despedidas que se faziam para cada funcionário que ia embora. Hoje, passados exatos três anos de minha saída descubro que só há lá uma ou duas pessoas que trabalhavam lá quando eu saí, e nenhuma delas estava quando eu entrei. Isso quer dizer que dificilmente as pessoas esquentam a cadeira no local de trabalho, eu mesmo às vezes via gente que estava trabalhando comigo da sala do lado e eu não sabia, ou o fulano que de um dia para o outro pediu as contas e foi embora sem avisar.

Isto tudo é o retrato do que virou o concurso público no Brasil e principalmente em sua capital: uma verdadeira indústria, a ponto de o rorizento já sair por aí prometendo criar a bolsa-concurso caso seja eleito. É claro, este setor tem movimentado muita grana, seja para organizadores como o Cespe como para cursinhos preparatórios que ganham rios de dinheiros com o temor de um mau desempenho e a manutenção de vidas ditas medíocres - sim, é a velha lógica do capitalismo de que sua vida não está boa e que por isto você tem que gastar, comprar, investir, etc. para mudar para uma vida um pouco mais boa, mas não completa pois você precisa sempre viver de tentar melhorar sua vida. As empresas vivem disso.

Só resta torcer para que chegue o dia que as pessoas acordem desta vida de mediocridade e percebam que há vida além do concurso, que existem mil maneiras de vencer na vida com ações voltadas para o empreendedorismo que chega a ser bem mais recompensadoras. Mas o brasileiro, teimoso e esperto (no mau sentido) que é quer mais é viver na mamata para ganhar muito dinheiro fazendo pouco esforço.

E depois se envergonhando de dizer isso para não ser taxado de marajá, pode?

Um comentário:

  1. Parabéns, Clébio Júnior, pela análise e pelo texto muito bem escrito. Beijo.

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