quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O Santinha e a resistência

Foto: Inácio França

Por Alexandre Gois de Victor, Advogado

O produto do coração de três cores de Capiba, nascido Lourenço da Fonseca Barbosa, aparece em coro uníssono masculino e, sobretudo, bem afinado. São vozes de timbre grave, que entoam numa crescente o já tantas vezes bradado: "Santa Cruz, Santa Cruz, junta mais essa vitóooria, Santa Cruz, Santa Cruz, ao teu passado de glória. És o querido do povo o terror do Nordeeeeeste(...)"

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A grandeza do compositor e o tom guerreiro do hino, tomado por adoção pelos tricolores, apareceu-me no último sábado. Deitado no sofá de casa, lendo Antônio Maria, ouvi o que mais parecia ser um trio elétrico. Era volume para ninguém botar defeito. Olhei de lado e vi pela janela um camarada percorrendo o calçadão da Avenida Boa Viagem empurrando uma carrocinha, tipo daquelas de raspa-raspa. Para não fugir muito à nomenclatura de seu ofício, o cabelo do sujeito era raspado nas duas laterais da cabeça. Era aquele penteado à la moicano, com a diferença de que a parte da frente do cabelo era preta, no meio descolorida (o que de longe dava a ideia de ser branca) e, a de trás, vermelha. Camisa e short, obviamente, padronizados. Semblante fechado como quem vai para a guerra. Se duvidar, os dentes deveriam trazer consigo as três cores de sua bandeira. A carrocinha era um viveiro de entulho, pinturas e adesivos, todos tricolores, o que parecia deixar transparecer um sonho do futuro sonhado por Andy Warhol.

Não bastasse a cena, de metro em metro, no momento em que o coro, repetida e reiteradamente executado, exaltava o nome do seu time, o camarada estendia o braço direito com o punho fechado e baixava um pouco a cabeça como quem faz um gesto de reverência a uma entidade superior.

Além desse gesto do punho, vi que se tratava de um rapaz negro e, também por isso, lembrei-me, de imediato, dos Panteras Negras Tommie Smith e John Carlos, que foram banidos das Olimpíadas da Cidade do México por conta da saudação black power que fizeram no momento de premiação daquele evento. E assim o gesto de resistência ficou cravado na história.

O nosso emblemático vendedor de raspa-raspa é, de certa forma, o símbolo da resistência do Santinha. Penso que esse exercício continuado e coletivo de resistência e abnegação dos tricolores será lembrado um dia. Num dia em que o clube voltar às disputas de elite e às conquistas, em momentos opostos ao calvário e a via crucis que vive. Aí quem sabe o vendedor de raspa-raspa feliz feito pinto no lixo, mesmo sem esquecer o passado de dificuldade, abra o sorriso para que possamos, assim, ver o preto e o vermelho pintados de forma alternada entre os seus dentes.

Ah, sim... antes que os "amigos" destilem seu veneno acusando-me de defender time alheio deixem-me fazer uma consideração final. Não sou torcedor do Santinha, tampouco vou sê-lo, só não lhe quero mal. Na verdade, em matéria de futebol, só torço em duas situações e para times diferentes. O Náutico, sempre, e contra a coisa (também conhecida como Sport) eternamente.

Texto publicado no Diário de Pernambuco do dia 28 de setembro de 2009.

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