quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Cidade individual

O que sobrou da praça - Foto: Cadu Gomes/CB/D.A.Press

Já é velha aquela história do homem que flagra a mulher com outro no sofá de casa e que, para resolver a questão, manda queimar o sofá.

Há alguns dias atrás, em Águas Claras, aconteceu algo similar. Uma praça na Quadra 205 foi demolida com a justificativa de que o local havia virado ponto de consumo de drogas. A "solução" encontrada pelos moradores foi destruir o local que, por ironia do destino, foi criado para o convivência e a integração da vizinhança.

O episódio foi relatado no Correio Braziliense do último domingo, e mostrou outros exemplos de intolerância que ocorrem em outros pontos da cidade.

Aí eu pergunto: há interação entre os vizinhos em Brasília? E mais: Ela existe de forma natural?

Na capital que foi criada para que o motorista e o deputado morassem no mesmo prédio, mas que, se tal fato raro acontecer, vai um no elevador de serviço e o outro no social, é difícil ocorrer, principalmente em condomínios, sejam verticais ou horizontais. As pessoas mal se dão bom dia no elevador, provavelmente só descobrem da existência um do outro nas reuniões (ditas chatas) de condomínio e se acontecer o acidente de ambos trabalharem no mesmo local, o que, dependendo da pessoa e da ocasião, pode ser considerado um baita azar.

E nossos amigos? Quase sempre são os colegas de trabalho, ou os de faculdade. Dificilmente convivemos com nossos viznhos, não há tempo, temos que trabalhar, estudar, passar em algum concurso bom.

Os espaços livres das superquadras de Brasília são subutilizados, são aproveitados mais pelas crianças que descem pra brincar, mas não se transformam em espaço de convivência, salvo por iniciativa da prefeitura da quadra. O que ocorreu em águas claras foi fruto do abandono do local, não houve sequer iniciativas para a utilização do local, aí se os moradores não usam a bandidagem se sente livre para usar. E até parece que deixar a praça pelada vai inibir alguém de usar drogas no local, e aí vão fazer o quê? Cercar tudo? Botar pregos, estacas e arame farpado?

O problema de Águas Claras é muito mais cultural do que criminal, faz parte do brasiliense moderno ser um bicho-de-goiaba encastelado em sua casa. Sair só para trabalhar, estudar e ir pra balada. Natureza, caminhadas, etc. geralmente são em parques, dificilmente perto de casa. Até mesmo para ir ali na padaria tem que ir de carro, mesmo que a padaria fique na comercial da própria quadra. E se há espaços livres em que se cogite até mesmo usar para a destinação que lhe foi definida como escolas e quadras esportivas aí sim aparece alguém que se levanta contra com os mais diversos argumentos que quase sempre esbarram no fato de que não se quer a "ralé" passando por debaixo de seus blocos - que eles fiquem bem longe, em suas cidades-satélites.

A destruição da praça é o reflexo da Brasília egoísta, que só pensa no individual, que reclama da violência na porta de suas casas mas que quer varrer a sujeira para debaixo do tapete. A diferença é que o tapete está do lado de fora da casa, pois se deixar dentro a sujeira lá embaixo vai começar a levantar, então que levante longe de nossos olhos. o que quero dizer é que só teremos uma cidade mais humana quando quisermos conviver na coletividade e quando quisermos resolver nossos problemas na coletividade e pela coletividade, com racionalidade e participação e não com radicalismos. Até lá ainda teremos muitos espaços públicos incendiados, e não poderemos nos queixar da falta deles.

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