sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Dores do mundo

A casa quase pronta para a festa de domingo - Foto: Coralnet

Por Xico Sá (artigo publicado na Folha de São Paulo de hoje, 16/01/2009 e reproduzido pelo Blog do Santinha)

Amigo torcedor, amigo secador, o Santa Cruz voltou a sucumbir, agora diante do Porto, o impiedoso gavião do agreste, inimigo declarado do projeto Fênix ao qual se agarra, como nunca dantes, o tricolor do Arruda.

Sim, você há de dizer, tanto assunto importante, o Kaká na roda da fortuna dos xeques dos Emirados Árabes, e esse cronista chinfrim a tratar dos arredores do seu quintal.

Tantas câmeras e vigilantes do peso focados, minuto a minuto, na barriga do Ronaldo, e você me sai com time da quarta divisão do Brasileiro.

Quantas contratações importantes no mercado, o Keirrison no palmeiras, o Bolaños no santos, o rodízio à moda européia do são paulo, meu chapa, e você foge para a rua das Moças, bem em frente ao campo do time coral pernambucano.

Com a vênia e o perdão do amigo, retomo o drama do Santa Cruz com a grandeza que merece uma das mais proletárias e passionais torcidas brasileiras. A massa que celebrou no último domingo a primeira vitória em quase seis meses: 0×1 no sete de setembro, em Garanhuns.

Era a arrancada não rumo a Tóquio, como na troça feita pelos torcedores do Sport, mas em busca da honra perdida, ponto inicial do projeto Fênix. Na noite de anteontem em Caruaru, a volta à casa do infortúnio: 4×0 para o Porto. É de amargar, como na letra do frevo de Capiba, tricolor doente.

Entendeu, amigo, como não existe nada mais relevante no momento do que a tragédia vivida pelo Santa?

A depender deste cronista, velho Chico, a dor da gente sai na imprensa, chorada e escandalosa, em caixa alta, como no “Jornal da Morte”, samba levado hoje pela Nação Zumbi e por Roberto Silva em morros de outrora. Vítima de malandragens profissas e diretorias sem amor ao clube, além de uma boa dose dos azares do mundo, o Santa Cruz tenta se reerguer, mas como um Cristo que apanha em público.

Não há como ignorar o lamento negro de um taxista que cruzava outro dia comigo a avenida Agamenon Magalhães: “Meu Santinha, doutor, a gente não merecia esse castigo!”.

Se o folclore atribuía, nos anos 80, infelicidades do Náutico a um boi sonegado a Pai Edu e Xangô - os cartolas prometeram e não cumpriram o sacrifício -, parece que o Santa Cruz, como zombam hoje os próprios fãs do Timbu, ficou devendo uma boiada nos terreiros de Olinda.

É, meu caro tricolor, é mesmo tragicômico, mas domingo, na reinauguração do Colosso do Arruda, com 60 mil almas penadas e resistentes, o time coral tenta outra vez sua bela arrancada. Não há momento mais simbólico do que voltar a um dos estádios mais bonitos do mundo.

Os novos homens do comando, dizem, trabalham pelo projeto Fênix.

Têm o aval e a fé da torcida. Que Nossa Senhora da Conceição, ali do milagroso morro de Casa Amarela, rogue por todos. E que o Central, a patativa de Caruaru, a rival da festa, não esteja em dia de mal-assombro.

É, amigo, tantos assuntos, e você me vem com a dor em preto, vermelho e branco. Entendo, amigo, tem a coisa da grandeza histórica de Pernambuco falando ao mundo. Gracias pela compreensão. E agora dá licença que eu vou ver de novo o espetáculo do Capibaribe e o Beberibe se juntando para formar o Atlântico.

***

Foto: Nauro Júnior - ClickRBS

Aproveito o espaço para registrar aqui minhas condolências à família de Cláudio Millar, jogador vitimado no acidente com o ônibus do Brasil de Pelotas, assim como o zagueiro Régis e o proparador de goleiros Giovani. Que descansem em paz onde estiverem.

Cláudio Milar foi jogador do Santa Cruz no ano de 1999 e participou do time que foi responsável pelo acesso à Série A naquele ano, sendo um dos destaques daquela campanha. Atualmente era um dos maiores ídolos do clube gaúcho, onde fez mais de 100 gols em quatro anos de elenco, e era considerado um dos jogadores que mais se identificavam com o clube e com a torcida.

Quero também prestar minha solidariedade ao Brasil de Pelotas e toda a torcida xavante. Que todos consigam superar esta tragédia e dar a volta por cima.

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