segunda-feira, 9 de março de 2009

Uma segregação silenciosa

Ceilândia (em destaque o P Sul), Taguatinga e lááááááááááááááá longe a "Capital da Todos os Brasileiros" - foto: Augusto Areal - http://www.infobrasilia.com.br

Brasília sendo capital do Brasil já é um atrativo mais do que suficiente para que famílias de comunidades mais pobres do país se aventurem a tentar uma melhor sorte por aqui, afinal de contas foi com este espírito que gente de todos os cantos atenderam o chamado de Juscelino Kubitsckek para participar da construção de Brasília.

Havia um ideal pregado de que esta seria a cidade mais democrática que já existiu, onde, diziam-se, o motorista moraria no mesmo prédio que o deputado. Não era preciso esperar muito para ver que tal fato muito dificilmente aconteceria, a própria epopéia da construção já mostrava o quanto esta visão era utópica, principalmente para os operários, a quem não restava nada a não ser trabalhar incessantemente para atender um cronograma que demandava pressa nas inaugurações. E quando acabava o expediente aquele povo tinha que voltar para as vilas que ficavam cada vez mais distantes daquele canteiro de obras monumental.

E para aqueles que não conseguiam (ou não permitiam) se assentar em vilas operárias restava construir barracos com sacos de cimento em áreas que o poder vigente classificaria como "invasões". Dezenas delas se proliferaram, umas mais perto, outras mais distantes, inclusive uma dessas mais distantes deu origem à cidade de Taguatinga.

Com o passar dos anos as invasões mais próximas da parte monumental da capital federal foram sendo retiradas. O motivo alegado era o de fornecer melhores condições de vida a essas pessoas, mas a verdade é que aquele aspecto de pobreza, produzido diga-se de passagem pela estrutura de trabalho imposta pela construção daqueles prédios próximos, constrastava com a beleza que aqueles monumentos queriam passar, sem falar que as classes mais abastadas não podiam ter aquela visão enfeiando a vista de suas varandas, mesmo que estes não saibam que indiretamente contribuem para que aquelas famílias estejam naquela situação, de que jeito não vem ao caso colocar aqui pois demandaria uma explicação tão ou mais extensa que este texto.

E desse processo de embelezamento da paisagem da capital surgiram as outras cidades-satélites, cada vez mais afastadas da parte monumental: Gama, Sobradinho, Samambaia, Santa Maria, Recanto das Emas, Paranoá e aquela que carrega a razão de sua existência até hoje em seu nome, Ceilândia, nome originado pela sigla do Centro de Erradicação de Invasões - CEI. O Paranoá também merece destaque pois foi criada como um remanejamento de uma invasão que ocupava uma área próxima ao Lago Sul que possuía uma vista privilegiada do Plano Piloto, ideal para a especulação imobiliária.

Há também a questão do entorno do Distrito Federal. Devido às maiores dificuldades de se instalar no quadrilátero, muitas pessoas acabam por fixar residência em municípios próximos no estado de Goiás, cuja infraestrutura básica e de serviços não acompanhou o crescimento populacional, o que faz com que estas pessoas fiquem até mais dependentes dos serviços básicos, como educação e saúde, existentes em Brasília do que as pessoas que moram nas cidades-satélites.

Até hoje tanto os pioneiros como os migrantes que vieram depois vivem como na música Cidadão cantada por Zé Geraldo, ou pior que isso pois a maneira como a cidade se desenvolveu no que diz respeito à setorização foi para separar bem definidamente os espaços de ricos e pobres. Quatro exemplos deixam isso bem claro:

- Conte nos dedos, quantas linhas de ônibus passam em locais como Pier 21, clubes à beira do Lago, Academia de Tênis, entre outros locais notoriamente frequentados por pessoas que tenham dinheiro para comprar uma carro que chegue até lá;

- O Conjunto Nacional que também já é um exemplo notório: Percebam que a parte sul (a mais próxima da Rodoviária) tem maior concentração de lojas populares enquanto a parte norte tem maior concentração de lojas mais chiques e de grife;

- Há também a resistência da população moradora do Lago Norte à construção de pontes na península. O argumento é a de que tais obras aumentariam a criminalidade, ou seja, na cabeça deles pobreza é sinônimo de criminalidade, sendo que ninguém para pra pensar porque que há essa ligação (preciso dizer?);

- Pra finalizar é comum em hospitais de Brasília a concentração de ambulâncias de cidades do interior de Goiás, Minas Gerais e até da Bahia. Muitos condenam tal prática por considerarem que isso contribui para a superlotação da rede hospitalar, mas estas pessoas por acaso teriam acesso a atendimento semelhante em suas cidades de origem? Aliás isso vale para diversos serviços, tanto públicos como privados.

A melhoria das condições de vida nos bolsões de pobreza criados pelo descaso e pela sanha eleitoral assim como a desconcentração dos postos de trabalho (aqui em Brasília mesmo quase todos os empregos se concentram no Plano Piloto, além do que trabalhar perto da Esplanada traz mais status) resolve muito mais do que simplesmente afastar estas pessoas de nossa convivência como quem varre a sujeira pra debaixo do tapete. Isto demandaria uma mudança de consciência que este texto por si só não é capaz sequer de iniciar. Mas não percamos a ciência de que grandes mudanças se fazem a longo prazo, e cada contribuição feita nesse sentido é um passo que se dá para que alcançemos nossos ideais, que aqui é o da inclusão de todos na sociedade que queremos viver, independente de onde elas nascem ou moram.

***

Atualização: Acerca da temática, recomendo dois filmes dirigidos pelo cineasta Vladmir Carvalho: Conterrâneos Velhos de Guerra, que mostra o surgimento da Ceilândia, relatos de pioneiros de Brasília e a ação da polícia no despejo de invasões; e Brasília Segundo Feldman, que é um apanhado de filmagens feitas pelo americano que dá nome ao filme no ano de 1959, durante a construção de Brasília.

4 comentários:

  1. Olá, adorei ler esse texto, muito informativo, não tinha muita noção de tudo que postou, gostei muito.

    Bjs,
    Chris

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  2. Clébio, você escreve e sabe trabalhar muito bem a informação...já pensou em estudar jornalismo futuramente e ter duas profissões? Quem sabe...

    Teu texto foi altamente esclarecedor tanto para quem mora em Brasília como para quem apenas passou rápido por aqui algumas vezes, como também para quem nunca esteve no DF.

    Parabéns!

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  3. que texto bonito!!! quantas coisas hj aprendi a respeito deste tema.... bela iniciativa.
    parabens.

    abraços

    tbm estou participando, dá uma olhadinha lá!!

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  4. Muitas vezes pergunto como que simples atos de verdade como foi desempenhado pela Ester, nos faz entrar nesse mundo magico de verdade; esse mundo que ao mesmo tempo falamos de algo serio, encontramos novos amigos, novos conteudos. Isso se chama mudança, isso é incluir na sociedade, mostrando o que somos capaz. E hoje ao ler seu conteudo deparo com varias suspresas como essa, que faz eu parabenizar a vc.. pelo excelente trabalho...

    Continuemos....abraços

    "A gente nao faz amigos, reconhece- os"
    Vinicius de MOrais

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